sábado, 6 de agosto de 2011

Os loucos de Lisboa

 Sentada nas escadinhas exteriores da Igreja do Chiado aproxima-se, creio eu, mais um daqueles pedintes para me cravar uns cobres, menina é para comer qualquer coisinha, que hoje ainda não comi nada, uma sopinha, uma sandes de queijo... observo melhor e vejo que traz um caderno de esquiços debaixo do braço, um artista, portanto, de talento mais ou menos duvidoso, com toda a certeza! Pergunta se quero ver os seus desenhos, não me pede logo para comprar... entendo nisso uma certa delicadeza que me faz assentir, meia divertida, meia incomodada! Pareceram-me algo primitivos e básicos, infantis até e por isso mesmo senti um impulso de ficar com algum, sentimento condoído de quem está mesmo perdido no mundo! O artísta é rato e pede 30 euros por um desenho pintado a caneta de feltro; ofereço-lhe de rajada 10 euros, finge-se horrorizado, diz que o desenho lhe levou uma hora e meia a fazer e que precisa do dinheiro para comprar mais papel e outro material, digo-lhe que assim sendo não há negócio. Baixa a parada e lança "20 euros", "Ó home, não lhe dou mais que 10 euros" , ele agita-se mas não perde a compostura, a batalha está complicada para o seu lado, sabe que não tem razão e que qualquer valor que peça é sempre superior ao que merece aquele rabisco mal parido! " 15 euros", "oiça lá, ouviu mal?10 euros e nem mais um tostão!" " doze e meio então" , ele sente que hesito e pede para a comida que necessita para aquele dia, eu concordo finalmente e digo-lhe que tenho que ir trocar dinheiro, que não tenho trocos! Outro qualquer assentaria mas este homem,de casaco demasiado quente e papillon meio torto,  de fala entaramelada e olhar mortiço, diz que vai ele, pega nos vinte euros que lhe dou, passa-me a sua carteira para a minha mão, onde vislumbro duas notas de vinte euros e desaparece nas lojas ali perto. Volta ao fim de 10 minutos com duas notas de 10; " oiça lá, ficamos na mesma, faltam-me é moedas, como é que lhe vou pagar os dois euros e meio?!", olha para mim meio perdido, levanto-me e vou comprar uma garrafa de água para ter trocos para ele.Entretanto, já me fez uma dedicatória que diz assim " Para a menina Bárbara, que sempre saiba ser um espelho de mulher. Um beijo eterno do José Ferraz". Assina os trabalhos como Yvens Pessoa, Yvens como o seu pai, o Y surge numa noite de bebedeira em que no computador se engana e carrega no Y em vez do I. 


2 comentários:

  1. Adorei o seu post
    Conheci o Yvens Pessoa em circunstâncias semelhantes e na mesma zona de Lisboa. Achei imensa graça a Pessoa, a história - precisava de dinheiro para jantar com a namorada - e também aos desenhos. E o modo algo triste e gentil como me abordou sensibilizou-me.

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  2. Comprei 10 desenhos e também tive direito a uma amável dedicatorde...

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